quarta-feira, 11 de novembro de 2009

São todos conceitos

Você já parou para reparar as coisas que escrevem atrás dos bancos dos ônibus? Hoje eu estava indo trabalhar e de repente vi meu olho atraído para os seguintes dizeres: “Realidade da vida é que o bagulho é doido”. Na assinatura um nome não identificado e as iniciais “PPL”. Todo bom belo-horizontino, que faz o caminho centro-região Noroeste da cidade, sabe muito bem o que é PPL. Trata-se de um aglomerado que fica perto da Avenida Antônio Carlos, a Pedreira Prado Lopes.

Então me perguntei “que diabos fazia um morador da Pedreira nesse ônibus?”. Nunca senti tanta vergonha de um pensamento como senti deste. Que mesquinharia pensar que o trajeto do ônibus que eu pego todos os dias só compreende meu próprio umbigo. Que preconceito imaginar que todos que moram no aglomerado são cidadãos marginais, por isso nunca os imaginaria dentro do mesmo lugar onde eu estava, sentado no mesmo banco em que eu me sentava.

Somos acostumados a sufocar o preconceito que existe dentro da gente porque, afinal de contas, preconceito é repugnante e todos que o sentem também são. Mas quem sou eu para me achar diferente? É nessas horas, imersa em meus próprios pensamentos, onde ninguém pode me ouvir, que eu concordo com esses absurdos.

Preconceito é pré-conceito. Uma opinião que formo antes mesmo de conhecer o objeto que a induz. É como ser um juiz que não ouve defesa e acusação. “Que bela jornalista sou, não?”, pensei. Deveria ser condenada por aquele pensamento, mas quem iria me denunciar se ninguém ouvira? Só eu mesma poderia fazer, e isso seria admitir um erro, o único jeito de realmente aprender.

Quando entrei na faculdade queria mudar o mundo com o jornalismo. Agora vejo que antes de mudar o mundo eu devo mudar a mim mesma. Numa tentativa de me redimir fui procurar histórias da Pedreira. O centro universitário que eu estudo tem vários trabalhos sociais por lá, mas eu nunca tinha me interessado por eles até agora. Decidi então que a melhor maneira seria pegar o ônibus até o ponto final, o oposto à minha casa, na PPL. Foi o que eu fiz no fim do dia.

Ali, entre aquelas ruelas, caíram por terra os meus pensamentos de que todos os moradores da Pedreira Prado Lopes são iguais. Antes eu havia imaginado um adolescente com roupas largas e um boné virado pra trás, portando um canivete na mão direta, fazendo gracinha para os amigos e reproduzindo no banco a frase que ouvira no filme do MV Bill*. Agora eu vejo uma jovem que faz a dupla jornada trabalho-faculdade, sentada em seu horário de almoço procurando se distrair com a chave que está em suas mãos. Neste momento ela pega uma dessas chaves e escreve a única coisa que vem a sua cabeça: “a realidade da vida é que o bagulho é doido”.

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* A frase citada no texto foi dita no filme Falcão – Meninos do Tráfico, produzido pelo rapper MV Bill.

3 comentários:

  1. seu blog botou um sorriso na minha cara...
    você vai mudar o mundo, certeza.

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  2. Interessante quando saímos de nossa realidade e encaramos outra. O choque pode ser ruim ou bom, mas de qualquer forma é aprendizado.

    Belo texto.

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  3. Muito bacana, seu blog, querida! Segui a dica do Leo Cunha e vim conhecer. Seus textos são ótimos, parabéns! Volto mais vezes! Bjo!

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