segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O cheiro de vermelho

O Natal vai se aproximando e é inevitável, eu sempre me lembro de um cheiro inigualável de “vermelho”. Não sei dizer se é vermelho-morango, vermelho-maça, vermelho-cereja, ou se são todos juntos. Nunca senti cheiro igual, por isso costumo chamar de vermelho-natal.

Ele é um pouco adocicado e costuma ficar mais forte nos dias de chuva. Toda vez que sinto esse cheiro tenho uma sensação de nostalgia e infância. A primeira vez que me lembro de ter sentido o cheiro de vermelho, tinha 4 anos e estava na casa de uma das minhas tias materna (celebramos a data lá por anos e anos). Com o passar do tempo fui crescendo e logo associei o cheiro às provas finais do colégio. Boa aluna do Santo Antônio que sempre fui, nunca passava longe da “tábua da berada”, como dizia minha mãe. Por isso, era sentir o cheiro de vermelho e ficar desesperada por conta das provas.

No ensino médio eu já estava mais desleixada e, cá entre nós, nessa época toda menina pensa mais em com quem vai passar as festas de final de ano do que com a matéria de física em novembro.

No terceiro ano tive uma sensação diferente ao sentir o cheiro de vermelho. Por algum motivo que não me lembro qual, estava fora de casa em pleno dia 24 de dezembro às seis horas da tarde. Ainda estava bem claro - o horário de verão é implacável nesta época -, a chuva tinha passado e o sol castigava. Eu estava na rua da Bahia, ali perto da Afonso Penna. Eis que minha mãe liga:

- Filha, traz dois refrigerantes aqui pra casa.

Passei na Araújo 24h que fica algumas esquinas acima e comprei as encomendas. Fui para o ponto esperar o ônibus e de repente veio o cheiro. Me vi ali, em pé, parada, com duas garrafas de coca 2L embaixo do braço, cara de “prossiga”, esperando o ônibus passar. Era isso: Natal.

Na rua não tinha uma alma viva; passava um carro a cada cinco minutos. O cheiro de vermelho foi aumentando e eu ficando completamente zonza. Tudo ficou com uma cor mais avermelhada e o ar estava doce – e, céus, eu não gostava nada desse doce. O 9103 parou, eu subi e o cheiro foi atrás.

Desci a rua ainda com aquele cheiro. Cheguei em casa. Abri a janela, estava abafado. O cheiro foi embora e esta foi a última vez que o senti

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Essa eu FIZ no ônibus

Obviamente essa pessoa que aqui escreve não está isenta de também pagar micos dentro dos transportes coletivos de Belo Horizonte. Quem está, afinal? Só espero que nenhum leitor aqui tenha visto a cena. Foi realmente vergonhoso.

Estava eu no 2103 em plena hora do rush. Quem mora aqui sabe bem como o trânsito está caótico nessas “horas-chave”. Para piorar, o sentido era Centro-Prado, ou seja, a tendência era só encher.

Entrei naquele ônibus lotado, com muito custo passei pela roleta – não sem antes quase cair três vezes e pedir milhões de desculpas por esbarrar em Deus e o mundo – e me posicionei de pé, bem no meio do coletivo, no corredor mesmo (acreditem, era o lugar mais vazio!). Mas, à medida que mais pessoas entraram, eu fui jogada para trás. Quando vi estava no lugar que mais odeio: em frente à escada da última porta.

Odeio esse lugar em frente à porta por alguns motivos. Vou listá-los:
- Há pouco tempo adquiri altura suficiente para segurar naquela barra horizontal que fica no teto do ônibus. E, normalmente, ela é o único apoio neste local - quando existe algum apoio.
- Sempre levei muito à sério aquela placa de “não estacionar nos degraus”. Então acredite, eu não desço nenhum degrau, fico ali em cima me equilibrando no espaço (normalmente pouco) que tenho.
- Meu senso de equilíbrio é atrofiado (o que explica bem o segundo item). Se o ônibus fizer qualquer curvinha – o que em BH é super normal – pronto, tô eu lá estatelada na porta.
- Sempre penso que a porta se abrirá com o ônibus em movimento e eu vou cair lá fora, sair ralando no chão e ser atropelada pelo ônibus que vem atrás – eu fui atropelada há pouco tempo por um carro e já doeu demais, imagina o que restará de mim se for um ônibus!

Ok, já dei motivos mais que suficientes, certo?

Pois bem, neste dia eu estava evatamente neste lugarzinho que eu não suporto. Para melhorar minha situação nem a barra horizontal estava lá! Portanto, eu não tinha onde me segurar – não, queridos, eu não alcanço o teto!

De repente o ônibus deu aquela freada bem na curva (o que? Tá achando que ninguém faz isso?!). Me segurei imediatamente na primeira coisa que se encaixou em minha mão. Senti um sopro. Percebi que tinha segurando algum tipo de alavanca, porque a “coisa” que soprou também pulou pra fora. Olhei e era um botãozinho vermelho. O ônibus parou imediatamente. Algumas pessoas desceram e eu pensei (só pra mim) “ufa, tá tudo bem, achei que tinha parado por minha culpa”. O motorista tentou arrancar e não conseguiu, a porta continuava aberta. As luzes piscaram. Nessa hora eu já sabia que tinha feito besteira. Discretamente empurrei o botãzinho que tinha puxado, assim, como se nada tivesse acontecido. A porta fechou. O ônibus arrancou. Eu fiquei aliviada e o moço que estava ao lado falou (sem saber que eu estava ouvindo, claro):

- Olha só ela sabia direitinho o quê que tinha que fazer! Que menina inteligente!

Anham. Sou.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

POBREZA (?)

A senhora entrou no ônibus acompanhada de seu pimpolho. Um menininho espevitado que usava uma blusa azul surrada do homem aranha e carreava na mão um carrinho de brinquedo. Ela pagou a passagem. Ele passou por baixo da roleta. Sentaram-se à minha frente. A criança falava destrambelhadamente, não parava um segundo sequer. Pegava seu carrinho e passeava com ele no banco, na janela no corrimão, na cabeça da mãe. A senhora, que parecia cansada, deixava o molequinho se divertir.

Um diálogo então chamou minha atenção. O menino disse:

- Mãe, eu não gosto de andar de ônibus. Cansa, faz calor e demora muito. Por que não andamos de carro?

A mãe, sem olhar para ele respondeu:

- Porque não temos carro, meu filho.

O garoto, não satisfeito com a resposta continuou:

- Mas porque nós não temos carro?

Dessa vez a senhora olhou para ele:

- Porque não temos dinheiro, meu filho.

Ele, provavelmente, estava na idade dos “porquês”, pois não parava de indagar:

- E porque não temos dinheiro, mamãe?

- Por que sós somos pobres!

Silêncio. O menino olhou para a janela e uma lágrima caiu. Logo várias outras acompanharam a primeira. E a criança começou a chorar, e a soluçar, e a espernear, e a se contorcer. Parecia que tinham lhe dado uma surra ou tirado-lhe o bem mais precioso. A mãe já nervosa perguntou:

- O que foi, menino? Tá chorando por quê?

- Porque nós somos pobres e eu não sabia disso. Pobre, pra mim, não tem onde morar, não tem o que comer ou o que vestir. Mas a gente tem! Porque a senhora diz que somos pobres? Eu não quero ser pobre! Pobre não estuda, pobre não toma banho, não tem brinquedo, não tem carrinho. Eu vou pra aula, eu gosto da aula. Eu tomo banho, sou cheirosinho! Eu não quero ser pobre.

A senhora refletiu. Olhou para um lado e para o outro, se certificando de quem ninguém ouvira seu filho. Lançou um olhar amoroso para ele e o abraçou, dizendo:

- Você tá certo, filho. Nós não somos pobres.

Ele compreendeu bem rápido o sentido da fala de sua mãe e encerrou com uma solução prática:

- Mas eu não ligo da gente continuar andando de ônibus.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Cafajestes do meu Brasil

Faltavam duas horas para o início da partida Brasil X Chile, pelas oitavas de final da Copa 2010. Em meio ao som das Vuvuzelas, eu já tinha desistido de tentar ouvir música pra me distrair enquanto enfrentava aquele engarrafamento básico da Rua da Bahia.

O rapaz entra no ônibus. Calça jeans, blusa social azul com listras brancas e vermelhas na vertical, sapato social preto, bem lustrado. Deu azar, sentou-se bem atrás de mim. Chamá-lo-ei de Cadu – que de acordo com meu senso comum e baseado apenas em minhas suposições irrelevantes, é nome de Cafajeste. Pegou seu celular de flip, abriu e começou:

- Jaquie? Oi Jaquie, tudo bem? E aí reconsiderou meu convite? Vamos ver o jogo na casa do Lipão? (pausa) ..... Poxa, Jaquie, vai ser ótimo, você leva a Flavinha com você também. (pausa) Não, claro que vai ter mais gente! Haha (pausa) Tá bom então, espero sua resposta. Beijo.

Desliga, mas não chega a fechar o celular. Volta:

- E aí cara, vai rolar de ver o jogo aí não. A Jaquie tá fazendo doce, disse que a Flavinha tem que fazer não-sei-o-que. (pausa) Demorou. Vamos ver se na sexta rola. Falou.

Desliga. Olha pela janela. Faz que tem uma idéia. Pega o celular:

- Fala Pedro, tudo bom? Vou ver o jogo no Lipão não. Você vai ver onde? (pausa) Ah cara, só macho? Não tô indo pro Lipão porque a Jaquie e a Flavinha desistiram e eu não quero ver só com homem... Fica pra próxima, bichão. Valeu!

Desliga. Dessa vez fecha o aparelho. O celular toca:

- Oi amor! Tudo bom e contigo. Tô saindo aqui do trabalho, indo direto pra casa. (pausa) Ah, você sabe, quero ver o jogo com meu pai hoje, mais de boa mesmo. (pausa) Lipão? Nem falei com ele hoje. Ele quer ver com a mulherada, amor, eu não sou disso. (pausa) O Pedro? Vai pra gandaia, chamei pra ver de boa lá em casa, mas ele não animou. (pausa) Você ir lá pra casa? Ah, amor, quero ver mais quieto e você também nem gosta de futebol. (pausa) Okay, amor. Beijo

Desliga. Disca:

- Ei Jaquie! E aí? (pausa) Pois é, queria mesmo dizer que o Lipão vai ter que ver com a família dele agora. (pausa) Sim, arranjaram isso de última hora. A vó dele né, já tá velhinha, talvez seja a última Copa. (pausa) É, o negócio é torcer por sexta. (pausa) Eu? Eu vou ver no Pedro, só homem mesmo... (risos) Fica pra próxima, gatinha. Beijinho..

Desliga. Disca de novo:

- Aí Pai, to chegando em casa pra ver o jogo. (pausa) É, sozinho. (pausa) Furou lá com as meninas. Se a Marcela ligar aí diz que eu sempre disse que ia ver com o senhor. Valeu.

Desliga. Dá sinal e desce no ponto.
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OBS.: Todos os diálogos foram aqui reproduzidos da maneira mais verossímil possível, incluindo expressões como "okay", "gatinha" e "beijinho".