quarta-feira, 11 de novembro de 2009

São todos conceitos

Você já parou para reparar as coisas que escrevem atrás dos bancos dos ônibus? Hoje eu estava indo trabalhar e de repente vi meu olho atraído para os seguintes dizeres: “Realidade da vida é que o bagulho é doido”. Na assinatura um nome não identificado e as iniciais “PPL”. Todo bom belo-horizontino, que faz o caminho centro-região Noroeste da cidade, sabe muito bem o que é PPL. Trata-se de um aglomerado que fica perto da Avenida Antônio Carlos, a Pedreira Prado Lopes.

Então me perguntei “que diabos fazia um morador da Pedreira nesse ônibus?”. Nunca senti tanta vergonha de um pensamento como senti deste. Que mesquinharia pensar que o trajeto do ônibus que eu pego todos os dias só compreende meu próprio umbigo. Que preconceito imaginar que todos que moram no aglomerado são cidadãos marginais, por isso nunca os imaginaria dentro do mesmo lugar onde eu estava, sentado no mesmo banco em que eu me sentava.

Somos acostumados a sufocar o preconceito que existe dentro da gente porque, afinal de contas, preconceito é repugnante e todos que o sentem também são. Mas quem sou eu para me achar diferente? É nessas horas, imersa em meus próprios pensamentos, onde ninguém pode me ouvir, que eu concordo com esses absurdos.

Preconceito é pré-conceito. Uma opinião que formo antes mesmo de conhecer o objeto que a induz. É como ser um juiz que não ouve defesa e acusação. “Que bela jornalista sou, não?”, pensei. Deveria ser condenada por aquele pensamento, mas quem iria me denunciar se ninguém ouvira? Só eu mesma poderia fazer, e isso seria admitir um erro, o único jeito de realmente aprender.

Quando entrei na faculdade queria mudar o mundo com o jornalismo. Agora vejo que antes de mudar o mundo eu devo mudar a mim mesma. Numa tentativa de me redimir fui procurar histórias da Pedreira. O centro universitário que eu estudo tem vários trabalhos sociais por lá, mas eu nunca tinha me interessado por eles até agora. Decidi então que a melhor maneira seria pegar o ônibus até o ponto final, o oposto à minha casa, na PPL. Foi o que eu fiz no fim do dia.

Ali, entre aquelas ruelas, caíram por terra os meus pensamentos de que todos os moradores da Pedreira Prado Lopes são iguais. Antes eu havia imaginado um adolescente com roupas largas e um boné virado pra trás, portando um canivete na mão direta, fazendo gracinha para os amigos e reproduzindo no banco a frase que ouvira no filme do MV Bill*. Agora eu vejo uma jovem que faz a dupla jornada trabalho-faculdade, sentada em seu horário de almoço procurando se distrair com a chave que está em suas mãos. Neste momento ela pega uma dessas chaves e escreve a única coisa que vem a sua cabeça: “a realidade da vida é que o bagulho é doido”.

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* A frase citada no texto foi dita no filme Falcão – Meninos do Tráfico, produzido pelo rapper MV Bill.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sobre o abandono

Normalmente meu dia é: casa-facul-trabalho. Mas algumas raras vezes consigo dar um pulinho em casa na hora do almoço pra descansar um pouco ou tomar banho. Para que eu alcance essa façanha os ônibus têm que passar no ponto no exato momento que eu chego nele. Considero que os dias que eu consigo fazer isso são realmente de sorte!


Aconteceu essa semana que um professor meu bateu o carro, coitado, aí não tivemos aula dele e eu voltei cedinho pra casa, não devia ser nem 10h da manhã.


Descendo o meu morro, como de costume, eu notei uma pequena movimentação na porta do prédio vizinho. Quando me aproximei vi duas crianças em torno de uma caixa de papelão que um dia havia embalado uma TV de LCD. Dentro da caixa estavam cinco cachorrinhos filhotes.


As crianças viraram a caixa para que os bichinhos pudessem sair. Um dos cães, que aparentava ser o mais novo de todos, escapuliu sem ninguém perceber e quando vi já estava no meio da rua. Eu moro numa pirambeira danada, carro desce aquilo ali descontrolado, sem nem pensar fui buscar o pequenino.


Sou fã de cachorro. Adoro! Não tenho um porque, no fundo, acho uma tremenda crueldade prendê-lo num apartamento - e a senhora minha mãe não é lá muito fã da bagunça que fazem. Quando peguei aquela bolinha de pêlos (fedida e suja) no colo quase morri de amor. Coloquei-o de volta perto dos irmãos, mas ele veio na minha direção e ficou entre meus pés.


Eu precisava ir pra casa. Tinha pouquíssimo tempo para tomar banho, almoçar e dormir 5 minutinhos. Mas a questão era que eu simplesmente não conseguia abandonar a criaturinha.


Os moradores do prédio, aos poucos, foram aparecendo na janela. A decisão foi de levar todos para dentro da garagem, alimentar e depois chamar uma dessas instituições que recolhem animais abandonados. Só que eu não conseguia deixar aquele cachorrinho magrinho que brincava com meu pé. Numa subita decisão, peguei-o no colo e levei pra casa.


Sabia que não podia ficar com ele, mas tinha a esperança de conseguir um bom lar pro coitadinho. Ele era tão magrelo! E na barriga, só tinha verme. Dei comida, lavei, sequei, cuidei – e claro, me atrasei.


A questão é que eu seria completamente incapaz de abandoná-lo mesmo com apenas dois minutos de convivência. Me pergunto como alguém pode ter sido tão cruel e covarde a ponto de fazer isso. Aí me deparo com a triste realidade de que se existe gente suficiente fria para abandonar um filho, claro que existiriam aqueles dispostos a fazer o mesmo com cachorros.


Há mais ou menos dois meses me choquei com a notícia de mais um caso de abandono de recém-nascido. Aconteceu em Belo Horizonte mesmo. A mulher entrou no banheiro de uma oficina, pariu e colocou o menino em uma sacola plástica. Simples assim, como se tivesse tirando dela um absorvente usado. Ela foi embora e logo depois – Graças a Deus – duas pessoas encontraram a criança, que sobreviveu.


Quem se lembra do caso da menina jogada na Lagoa da Pampulha? Ela também sobreviveu, mas a mãe, que foi presa, agora tenta reaver a guarda dela. Absurdos existem, milagres também...


Acredito que essas mães – assim como o dono dos cachorros abandonados, se me permitem o paralelo – tinham todo direito de, por alguma razão, não ficarem com os bebês. Mas elas podiam ter escolhido outra opção, que não o abandono. O abandono de incapaz, pra mim, é uma tentativa de assassinato, um homicídio doloso. E o cúmplice é quem se cala diante daquilo que pode, tão nitidamente, ver.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Cobiça

Segundo a Santa Wikpédia – Deus é o Google –, cobiça é, além de um desejo por riqueza material, “um desejo ardente de coisas pertecentes a outrem como também pode ser de sexo ilicito, sexo praticado fora da relacao marital, e fora dos elevados padroes de moral de Jeova Deus”. Deste modo, não cobiçarás a mulher do próximo e ponto final. Ou não...

Como moro perto do ponto final de dois ônibus normalmente embarco e tenho que esperar de 5 a 10 minutos para começar a andar – quando a situação é boa. Outro dia esatava eu sentada na parte dianteira do veículo quando entrou a mulher. Por favor, imaginem: 1,70m de pura mulata brasileira; cabelos trançados que iam até o meio das costas; unhas impecavelmente vermelhas; salto plataforma tamanho 12; mini-saia estampada e regata branca. Isso sem esquecer de mesnsionar o perfume que infestou o lugar e, é claro, a aliança dourada cintilando na mão esquerda. Ela começou:


- Sai agora?
- Não, daqui a 7 minutos. – repondeu o trocador.
- É o primeiro?
- Creio que sim, Glaucia.
- Jefferson tá no próximo?
- Tá sim...


Já tinha me entediado com a ladainha quando ela saiu do ônibus e foi para um bar na calçada. Mas eis que o motorista resolve falar:

- Mulher bunita essa do Jefferson, hein. De onde veio essa não tem mais não.
- Tem mesmo não rapaz – continuou o trocador – Namorou o irmão de um amigo meu por cinco anos. Sempre fui doido com ela. Depois que terminou não demorou dois meses pra casar com o Jefferson. Tive nem tempo de me aproximar.
- Mas o Junin pegou ela, você sabe né?! Deve ter umas três semanas, aqui mesmo no ponto. Mulher assim não pode ser de um só não.
- Dessa aí nem dois dão conta.

Percebendo minha presença no veículo os dois interromperam a conversa. Fiz que não liguei, altiva com meus fones de ouvido (no mudo) e meu óculos escuro. Então continuaram:

- Mas cara, não fica esplanando essa não. Se o Jefferson te ouve dá a maior treta. – Disse o trocador
- O Jeffin?


Os dois caíram na gargalhada. Eu só entendi momentos depois o motivo do riso, quando o outro ônibus parou atrás do que eu estava e desceu um homem. Ele veio até a porta, parou com uma mão na cintura e outra no corremão. Então tudo fez sentido. Era um baixinho magrelo, ou como diria Chico: “um cara fraco, desdentado e feio, pele e osso simplesmente, quase sem recheio”. Era o Jefferson ou , Jeffin.


- E aí, viram a Glau por aqui? – Perguntou.
- Não Jeffin, nem passou por aqui...

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Escolhas

Menina entra no ônibus falando ao celular.

- Ai Cla, eu não sei. O Pedro é lindo, mas o Lucas quer coisa séria comigo. E eu não sei também se prefiro ir num bar ou num lugar mais agitado na sexta. A pior parte é não saber que roupa vou usar, tem 3 calças e dois vestidos perfeitos pra ocasião.

Pausa.

- Cla, e se eu conseguir conciliar os dois? Seria tão perfeito! Não, Cla! Não os dois meninos, mas as duas ocasiões, para me decidir. Tô muito confusa, amiga. Na verdade é melhor mesmo ir só em uma, as roupas das duas ocasiões não combinariam. É.. Usar sandália prateada de salto em bar não rola...

A menina desceu do ônibus e me deixou ilhada em meus pensamentos.

Temos tantas escolhas nessa vida. Começamos o dia já escolhendo se vamos acordar ou não, colocando na balança aquilo que ganhamos ou perdemos. Depois decidimos sobre o que comer no café da manhã: banana ou mamão? Café com leite ou toddy?

Algumas vezes eu penso que seria melhor ter apenas uma opção. É como abrir um armário lotado de roupas e dizer “não tenho o que vestir”. Claro que tem o que vestir, mas nada ali se adequa a sua escolha no dia. E se não tivéssemos escolha? Penso que é impossível, sempre teremos a opção de simplesmente negar.

Outro dia estava dizendo a minha mãe que não queria ir trabalhar e ela me disse simplesmente: “não vá”. Eu retruquei explicando que não podia por N motivos e então ela falou:

- Filha, você pode fazer tudo que você quiser, suas escolhas são livres e todas elas levam a uma conseqüência. Você pode escolher sair do seu emprego, dormir o dia todo, deixar suas contas sem pagar...

Claro que eu já sabia disso, mas nem sempre estamos preparados para enfrentar essas conseqüências. A conseqüência de perder o emprego é bem mais dolorosa do que agüentar umas horas no trabalho. Ou não? É impossível afirmar sem tentar, é impossível tentar e voltar atrás.

Então eu penso: será que estou pronta pra fazer tantas escolhas? Algumas vezes escolho sair de casa sem blusa de frio e quase congelo na rua. Em outras, prefiro prevenir e levar o casaco, não faz frio e fico o dia todo carregando aquele peso à toa. Quando saberei dizer exatamente o que fazer? E um dia eu terei a confirmação de que aquela era uma escolha certa?

Podia existir uma máquina onde pudéssemos ver o resultado das nossas escolhas no futuro. Mas, pensando bem, que graça ia ter viver? Do jeito que é, nós sempre vamos tentar escolher a melhor opção, pedir conselhos, ouvir o coração e a cabeça, e buscar o ponto de conciliação entre tudo isso.

Isso me lembra uma coisa que li este ano em um livro bem clichê: “Comer, Rezar, Amar”, da Elizabeth Gilbert. Dizia assim: “É essa a característica da vida humana - não há grupo placebo, não há nenhuma maneira de saber como qualquer um de nós teria se comportado caso qualquer uma das variáveis houvesse mudado”.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Ônibus x Filosofia

Dois ônibus podem me levar de casa até a faculdade. Eles não fazem o mesmo caminho, por isso não costumo pegar o que passa primeiro. O 8101 vai reto-toda-vida, já o 4106 dá a volta na cidade, praticamente.

O 8101 pega a São Paulo e vai embora, só encaro transito pesado mesmo no pequeno pedaço da Afonso Penna a Curitiba. O 4106 é terrível, passa pela Contorno, pega a Getúlio Vargas, depois desce a João Pinheiro e vai na Afonso Penna desde o Parque Municipal até a Curitiba. Quem mora aqui em BH sabe bem como funciona o transito nesses locais às 7:20 da matina.

Quando estou muito atrasada vou de 8101, claro. Mas quando tenho um pouquinho mais de tempo me aventuro no 4106. Percebi que fico mais feliz ao passar pelo caminho do 4106 do que do 8101.

O caminho do 4106 é mais agradável à minha visão. Vejo pessoas se exercitando na Praça da Liberdade, ou conversando enquanto descem a João Pinheiro, indo pro Promove ou pro Cumpus de Direito. De vez em quando tem umas velhinhas andando para a Igreja da Boa Viagem. Mas meu dia fica bom mesmo quando as fontes estão ligadas. Nossa! Tenho uma sensação de paz e de que “tudo vai dar certo” incrível. Fico até mais animada. Chego na faculdade com um bom humor incomum.

Já o 8101 passa pela Marília de Dirceu e eu vejo aqueles bares fechados, pessoas limpando o que restou da noite anterior, lojas que não posso nem olhar, pois meu salário de estagiária não paga uma prestação da peça mais barata. É triste. Aí chega a São Paulo, com todas aquelas lanchonetes que cheiram gordura a cinco metros de distância. Ou então vejo aqueles estudantes entusiasmados indo pros incontáveis cursinhos. Caras de poucos amigos e senhoras agarradas a suas bolsas... Tem como se empolgar com essa visão? Se o dia está nublado então, só piora.

Só Freud pra explicar essa minha sensação com relação aos dois ônibus. Deve ser assim com a vida também. Às vezes vários caminhos levam ao mesmo lugar. Aí podemos pegar o mais rápido, mas que nos dá menos prazer, ou optar pelo mais comprido, que nos deixa com um sentimento de satisfação. De qualquer jeito, vale lembrar que ambos dão na Curitiba e o engarrafamento no viaduto da Lagoinha é inevitável, ainda mais com as obras na Antônio Carlos.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Agilidade, meu povo

Normalmente eu pego meu ônibus de volta do trabalho pra casa em frente a um banco. Ele sempre está cheio, não importa o horário. Algumas vezes está que não cabe mais ninguém, em outras vejo pequenas filas, e em raras noto que alguns caixas eletrônicos estão vazios. A questão é: sempre tem gente lá.

Fico me perguntando se realmente existe um ser nesse mundo que gosta de banco. Quer dizer, sente prazer em ir ao banco, sabe? Adora enfrentar uma fila, ter o cartão engolido por uma máquina, ouvir cinco gerúndios a cada minuto... Enfim, todas essas coisas prazerosas que podem acontecer. De vez em quando penso que nem os próprios funcionários gostariam de estar lá, dado ao bom humor com que nos atendem.

A parte boa de não ter carro é não passar raiva também na hora de estacionar quando vou ao banco. Fico vendo os veículos em fila dupla, local proibido, ponto de ônibus... O banco está ali, mas a vaga não. Aí não se tem muita saída, ou desiste de ir ou pára onde não deve.

Minha mãe me deu carona outro dia. Sempre que ela me dá carona escolhe um tópico para dissertar durante todo o trajeto. É um monólogo, ela fala, eu escuto e abano a cabeça. O desse dia foi sobre banco. Ela me pediu para depositar um cheque no dia anterior, mas eu e minha cabeça de vento esquecemos. Eis que no dia seguinte ela começa:

- Banco devia ter aqueles negócios... como é mesmo o nome?... Drive-thru. Aí a pessoa não precisava ficar procurando vaga. Era só entrar na fila do seu caixa, esperar sua vez e pronto, acabou.

Realmente. Seria tão mais prático. Será que ninguém, até hoje, pensou nisso? A pessoa chega lá com seu carrinho, vai até o caixa eletrônico e pode colocar a primeira para partir. Estamos numa época em que tudo é tão imediato que não entendo como ainda não existe drive-thru em banco.

Com essa mágica invenção as filas duplas seriam evitadas, assim como o desgaste das buzinas, as intermináveis horas em pé... Perfeito! E melhor, duas figuras bem comuns nas filas dos bancos seriam evitadas: as grávidas e os maiores de 65 anos.

Eu fico emputecida com essas duas categorias. Acho que eles e eu pensamos da mesma maneira porque não contei até hoje uma única vez que fui a um banco e não encontrei as figuras. Era assim: eu estava lá há uma hora e meia e quando iria ser atendida vinha o cliente especial. O pior é que eles normalmente trazem as contas de toda família para pagar porque, mais uma vez eu digo: ninguém deve gostar de banco.

Mais meia hora de espera e chega minha vez - Ah não, pegadinha de novo. Chegam três grávidas, tagarelando feito doidas e sem o menor constrangimento embicam na minha frente. E depois ainda enchem o peito para dizer em alto e bom tom que “gravidez não é doença”. Poxa, então enfrenta a fila como todo mundo, dona! Daqui a pouco vão ter que criar os “bancos preferenciais”, porque os “caixas especiais” não tão dando conta do recado não.

De carro tudo ficaria tão mais rápido. Não pra mim, claro. Sou uma pobre metida a escritora que sente até um pouco de prazer em andar de ônibus. Mas se 75% dos clientes do meu banco têm carro (e isso é comprovado por pesquisa), eu teria que enfrentar apenas 25% da fila atual. E olha que eu nem sou boa em matemática.

Acho que vou patentear essa idéia.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Ensaio sobre a minissaia

Existem roupas que simplesmente não foram feitas para se usar no ônibus. É o caso das saias. Já viram o comportamento das moças usando esse trajes dentro dos coletivos? São dificuldades inimagináveis, tão inimagináveis que ainda há quem se aventure em usá-las.

Neste calor infernal belo-horizontino as moças realmente devem ficar tentadas a usar a peça. Aconteceu um dia desses quando eu voltava do trabalho. Vi umas cinco meninas de saia. Os tamanhos variavam e, neste caso, quanto menor, maiores são as dificuldades. A saia longa é mais tranquila, o máximo que pode – e vai – acontecer é sujar toda a barra. Um nojo. Mas tem gente que não liga pra isso, então vai saber...

Se a saia fica na altura do joelho, como as antigas secretárias usavam, morro de dó. O movimento das pernas fica tão limitado como se tivessem amarrado um barbante nelas. Não conseguimos dar um passo maior do que o de uma criança de dois anos. Se tivermos que correr para alcançar o ônibus quando ele já está saindo do ponto, podemos desistir. Além disso, é preciso muita destreza para subir aqueles degraus altos, há quase um metro do chão.

Agora, minhas amigas, - e aqui fica um conselho de irmã – não se aventurem com a minissaia (ou mini-saia, como preferirem). Quando Mary Quant resolveu cortar uma saia ao meio, com certeza não pensou na mulher suficientemente moderna que anda de ônibus. E certamente ela nunca pegou um bondinho vestindo sua criação.

Assim como dois corpos não ocupam o mesmo lugar, já foi provado cientificamente que subir no ônibus sem mostrar nenhuma parte íntima trajando a minissaia é humanamente impossível. Isso se ela permitir que você levante a perna para subir sem virar apenas um cinto. Mas como eu sei que toda mulher tem um pouco de maravilha e elástica juntas, não duvido que algumas até consigam embarcar. Mas se engana quem pensa que acabam aí os problemas. Não. Eles estão só começando.

Se você está em dia com a academia, com tudo no lugar e lembrou-se de depilar as pernas, fique tranqüila, tem menos um problema para enfrentar. As mulheres talvez te olhem bastante e comentem que você tem uma estria ou celulite (quem sabe as duas), mas não se deixe abalar, é tudo inveja. Os homens que vão te dar um pouco mais de trabalho, não na questão de reparar o que está ou não fora do lugar, claro.

É fato, porque Murphy é implacável, que vai entrar aquele pré-adolescente atiçado que se sentará ao seu lado e sem-querer-querendo esbarrará a mão em suas pernas no mínimo dez vezes a cada quarteirão. Mas você sempre tem a opção de mudar de lugar. Desde que não esteja sentada na janela e precise passar por cima do rapazinho, porque acredite, ele não vai se levantar para você passar.

Se não é o pré-adolescente tem o vovô tarado. Ele vai soltar um “oh lá em casa”, mas você pode fingir que não entendeu e passar da roleta como se nada tivesse acontecido. Porém não se esqueça do trocador, outra figura que vai te importunar. E não adianta, ele pode estar com uma aliança dourada do tamanho da sem-vergonhice dele, que vai soltar um “que saúde” – na melhor das hipóteses.

Passando desses primeiros obstáculos você já está com meio caminho andado – Literalmente, porque nessa altura a condução já terá andado metade do trajeto. Na verdade você deve torcer pro pré-adolescente se assentar ao seu lado, meninos assim têm menos malícia e se você olhar com cara feia pode até ser que se mude de lugar. O problema é se o irmão mais velho ou mesmo o pai desse menino resolver se instalar bem do seu ladinho. Eles vão fingir que não estão nem aí, mas no fundo vão reparar em cada parte de pele à mostra. E não, isso não é confortável.

Pois bem, estou falando da boa possibilidade de se conseguir um assento. Mas como isso hoje em dia é bem raro, já digo: ficar de pé com a minissaia é um desastre. Se forem aquelas mini mini mesmo, nem tente segurar nas barras, só se forem aquelas verticais, que você não precisa levantar o braço para alcançar. Caso contrário, pagarás calcinha, a física quântica comprova.

Resumindo, após dez minutos você já terá se arrependido de ter colocado aquela micro-peça. Provavelmente vai querer saltar do ônibus, talvez até mesmo antes do seu ponto. Aí vem outro empecilho: a descida.

Você vai se aproximar da porta e ficar analisando as possíveis estratégias para conseguir descer sem que todos que passam pela rua e os passageiros do ônibus assistam seu showzinho. Vamos lá: de lado... não dá; de frente... nem pensar; virar de costas... bom, isso eu nunca tentei nem vi tentarem.

Enfim, minha dica é: respire fundo, conte até cinco – porque se for até dez você desiste – e vá, não importa o jeito. Você vai passar por um constrangimento. Mas você é uma lady, onde já se viu ficar vermelha? Não, não. Empine o nariz – se é que me entendem – e mostre que você é uma mulher bem resolvida e sabe ter jogo de cintura – literalmente – para lidar com situações embaraçosas.

Internamente, acredite em mim, você estará se dizendo repetidas vezes: “eu nunca mais uso essa roupa, nunca mais!”, e articulando mil maneias de jogá-la fora, ou dar para aquela inimiga do coração. Mas não se preocupe, no próximo verão você já terá esquecido a promessa e colocará a minissaia para pegar o ônibus, tranquilamente.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Essa eu escrevi no ônibus

Redigi essa carta enquanto esperava o meu ônibus na Rua da Bahia e durante o trajeto que me trouxe até em casa:



Aos fabricantes do meu shampoo,

Venho por meio desta expressar a minha indignação – indignação só não, revolta mesmo – diante do fato que hoje descobri. Meu frasco de shampoo estava no fim, por isso fui à farmácia de costume em busca de um novo pote. Faz cinco anos – ou mais – que uso essa mesma marca, essa mesma fragrância, meu cabelo já se acostumou com os componentes. Aí quando vou ao local habitual procurar pelo meu shampoo, cadê? Não, ele não estava lá. Passei uns quinze minutos rodando na drogaria até que uma atendente bondosa me cutucou e disse um sonoro “Posso ajudar?”. Claro! Respondi na hora. “Onde eu acho o meu shampoo peloamordedeus?”.

Ela, com um ar de deboche, disse “bem aqui, como sempre”. Eu olhei mas não vi e novamente perguntei aonde estava. Foi então que ela pegou e me entregou. Tentei explicar que não era aquele o meu shampoo, mas foi em vão. Fui até o balcão e exigi que chamassem o gerente. Perguntei que palhaçada era aquela. Como eles tinham a coragem de vender uma imitação barata daquele shampoo assim?

Fiz um discurso homérico que começava com “é por isso que o Brasil não vai pra frente” e terminava com “e o Sarney continua lá”. Depois de me deixar falar igual pobre na chuva o gentil gerente me disse “minha cara, eles trocaram a embalagem e modificaram algumas fórmulas”.

Como os senhores puderam fazer isso comigo? Uma cliente fiel há tanto tempo. Sempre indiquei esse shampoo, elogiava onde quer que fosse. Quando tinha cabelos longos chegava a comprar dois potes por mês (é, ele rendia muito). E agora o que será de mim? O que será do meu cabelo? Ele era feliz com aquela fórmula.

Os senhores têm idéia de quanto tempo levei para encontrar um shampoo que se adaptasse ao meu cabelo rebelde? Como puderam assim, sem mais nem menos, sem um aviso prévio nem nada mudar de camomila+própolis natural para camomila+macadâmia. Quem disse que eu queria essa troca? Quem foi o químico petulante que afirmou que macadâmia é melhor que própolis natural para o cabelo?

Estou indignada. Os senhores deveriam ter informado aos seus usuários sobre a mudança. Eu iria às ruas protestar. Faria um abaixo assinado, uma movimentação – igual a que teve hoje na Antônio Carlos e atrasou meu dia em duas horas. E mesmo assim, se nada adiantasse, eu iria gastar todo o meu salário suado na compra dos antigos exemplares. Onde esse mundo vai parar? Nessa sociedade moderna os fabricantes sequer se preocupam com a satizfação do cliente. E aquela história de que sempre temos razão é pura balela.

Há três anos, mais ou menos, aconteceu a mesma coisa com o perfume que eu usava. Ele foi banido do mercado sem mais nem menos. Até hoje eu sofro uma crise de identidade olfativa e não consegui encontrar nenhuma nova fragrância que se adequasse às minhas vontades. Entrei no juizado de pequenas causas – o PROCON recusou - contra os fabricantes do perfume. O processo tramita até hoje e estou em vias de receber uma gorda indenização. E se quiserem encarar essa carta revoltada como uma ameaça, tudo bem. Já acionei meu advogado.

A questão é: quero propor um acordo. Nada de mau lhes acontecerá se decidirem, por livre e espontânea vontade, voltarem com a antiga fórmula . Não é preciso fazer isso com todos os produtos, me contendo apenas com o meu Camomila com Própolis Natural.

Como apelo final gostaria que os senhores pensassem em quantas outras pessoas podem estar sofrendo neste momento com o mesmo problema. Não pensem no sentido de terem dó ou sentirem pena dessas pessoas, mas imaginem o escândalo que seria se essas novas fórmulas, sem mais nem menos, começassem a causar alergias em seus usuários...

Aguardo um posicionamento,

Atenciosamente,

Teani Freitas.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Deixe que digam, que pensem, que falem...


Preciso confessar: eu gosto de Paulo Coelho. Sim. Eu gosto do Bruxo. Não entendo por que as pessoas, em geral, tem essa mania de criticá-lo. Pare e pense: quantas pessoas você conhece que gostam de Paulo Coelho? E quantas delas já leram Paulo Coelho?

Minha amiga Juju ganhou no Natal, em uma dessas promoções de shopping, um livro do Paulo. Chama-se “O Livro dos Manuais”. Eu era a única pessoa, dentre tantas que ela conhece, que lia o autor, logo fui presenteada.

Outro dia, enquanto fazia meu velho e habitual trajeto casa-faculdade, percebi que as pessoas do ônibus olhavam em minha direção fazendo gestos de negação e se afastando. Comecei a pensar que tinha algo de errado com minha roupa, ou com meu cabelo... seria o sapato? Não, nada disso... quando sentei percebi que os olhares maldosos iam pro tal livro que estava dentro da minha pasta transparente.

Não consigo entender de onde vem esse preconceito. Já li vários livros do Paulo Coelho e não encontro motivos para as tais críticas. Considero que é uma literatura paradoxal, quer dizer, ela pode ser fácil, mas se você mergulha no livro e entende o motivo que o levou a escrever, a coisas se tornam bem mais complexas.

Uma vez minha mãe me disse que quando tinha minha idade não podia ler Jorge Amado. As moças que o faziam ficavam mal vistas. Ela me contou que o escritor baiano falava muito diretamente, um desbocado para época. Mas comassim o Jorge Amado já foi vítima desses olhares suspeitosos?

Claro, são motivos bem diferentes. Consideram o pobre Paulo um alienado, alucinado, distanciado de Deus. A questão é, virei fã dele quando ganhei meu primeiro livro de entrevistas, “Palavra cruzada”, do Júlio Maria, que escreve a coluna homônima para o Jornal da Tarde, todas as segundas. Uma das respostas de Coelho dizia o seguinte: “O meu texto é vivo e transgressor. Que diferença faz pro mundo uma vírgula separando o sujeito do verbo?”

Pois sim. Que diferença faz pro mundo a vírgula lá no meio? Alguém se sente mais infeliz por isso? Que se manifeste quem já foi injustiçado por isso! Desconheço. É tudo pura convenção. Que me perdoem meus amados professores de redação jornalística, sei muito bem do quão incorreto é uma sentença assim. Mas poxa, se Guimarães Rosa inventa e desinventa palavras, que mal há na virgulasinha do Paulo ali, dando bobeira?

Vamos deixar de pieguice e aceitar que Paulo Coelho escreve muito bem sim senhores. Ele é um escritor comerciante, e que mal há em querer vender livros? Que mal há em se escrever fácil? Problemas devem ter aqueles que só sabem ler difícil. Para que figuras de linguagem sofisticadas, frases trabalhadas? Para que a busca por esse nível de excelência? O que me importa é a história dentro do livro, não as sentenças dentro da história.

Resolvi então fazer um teste de preconceito. Deixava o livro bem a vista onde quer que eu fosse. Coloquei em cima da mesa do meu trabalho - devo dizer aqui que a capa vermelha e bem desenha é um atrativo e tanto, o senhor Fernando Vilela é realmente fantástico -. Todas as pessoas que entravam olhavam para ele, abanavam negativamente a cabeça e saiam, sem nada dizer. Uma das minhas chefas disse que Paulo Coelho era um “charlatão”. Na faculdade não foi diferente. Mas a maioria já se acostumou com meu gosto peculiar para leitura. Em casa eu nem fiz de propósito, o livro estava ao lado do computador. Meu namorado veio aqui e demorou a aceitar que eu realmente estava lendo, depois disso fez cara de pânico toda vez que via a capa...

Bom. Posso dizer enfim que eu leio de Dostoiévski à Paulo Coelho, passando por Graciliano Ramos e August Cury. Que mal há nisso? Nenhum. Sei apreciar a escrita de cada um, seja ela fácil ou difícil, errada ou certa. Não estou aqui para julgar, gosto boas leituras – e isso é uma opinião subjetiva. Não, eu não vou cair no clichê e dizer: Paulo Coelho é um impostor da língua portuguesa.

Se entreguem àquele que já vendeu mais de 65 milhões de livros e abram mão desses conceitos prévios que implantam em suas cabeças.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Algumas coisas que não devemos ouvir

Quando comecei o blog contei sobre o que me incentivava a escrever sobre conversas no ônibus. Ouve-se muita coisa inusitada, sem pé nem cabeça. Muitas vezes literalmente pegamos o bonde andando e não dá para acompanhar a conversa inteira. É preciso muita habilidade. Esses dias para trás aconteceu uma coisa que eu adoro. Embarquei junto com uma outra senhora, sentei no banquinho mais alto (síndrome de baixinha) e ela se assentou ao meu lado. Quando o ônibus arrancou eu ouvi:

- Psiuu. Raquel!

Era a senhora que se assentava na janela do outro lado do corredor. Nesse momento eu soube que conseguiria ouvir uma boa história de comadres.

- Márcia! – Respondeu Raquel.
- Quanto tempo, como está?
- Bem e você? Continua morando por aqui?
- Continuo sim, você também né? Como vai a família? E os meninos? Você tem dois não é?
- Tudo ótimo Márcia. Continuo casada, a Júlia está terminando o terceiro ano e o Pedro forma em designer essa sexta.
- Sério, menina?! Que maravilha hein. Vai ter festa?
- Vai sim. Acho que será no Jardim Canadá.
- Ah, quando minha filha formou a festa foi em um lugar lá também. Achei muito perigoso de ir e voltar tarde.
- Mas eu estou acostumada. Estou largando aos poucos essa vida urbana. Estava há dois meses no sítio, voltei ontem.
- Mas é aqui perto?
- Pertinho, em meia hora chego ao trabalho, mais rápido do que morando aqui.

Breve silêncio enquanto as pessoas passam entre elas.

- Raquel, você tem notícias da Meire?
- Tenho sim. Última vez que a vi estava um caco. Separada do marido, duas filhas adolescentes e uma grávida, terrível. – Pausa, olha para um lado e para o outro e continua: Não conta jamais que eu te contei, mas dizem que ela levava umas surras do marido.
- Não me diga! Coitada! Era Francisco o nome dele não é mesmo?
- Não. Francisco é o nome do marido da irmã dela, a Mércia. Essa ainda está casada, vida boa, morando no Belveder agora.
- Engraçado né? Como o destino de duas pessoas geradas na mesma barriga ao mesmo tempo pode ser tão diferente.
- Diz que é carma. Tem gente que tem isso.

Outra breve pausa, Raquel se muda para o banco ao lado de Márcia, o que dificulta ouvir a conversa.

- E sua filha Márcia? Continua bonita como sempre?
- Nada. Eu acho que agora é que ela está bonitona. Antes ela era feinha. Mas hoje em dia a medicina faz milagre, até o cabelo melhorou.
- Que isso, sempre achei ela linda com aqueles olhos azuis.
- Olhos? Com os óculos que ela usava quando você a conheceu nem dava pra ver!

Silêncio.

- É Bruna o nome dela, não é Márcia? Como ela está?
- É. Ela ta morando na Inglaterra agora. Foi lá fazer um mestrado em química
- Que sucesso! Deixou a mãe super orgulhosa!
- Bom, na verdade estou me dedicando à Luiza agora, minha caçula.
- Luiza? Você teve outra filha?
- Tive, com o Oswaldo. Já tem 7 anos.
- Nossa, é mesmo, você se casou de novo. Já estão há quanto tempo juntos?
- No total 17 anos. O ruim é que até hoje não moramos juntos.
- É? Decidiram ser um casal moderno morar em casas diferentes?
- Não, ele ainda não contou para esposa.

Chega o ponto final do ônibus e nós três descemos. Mudas.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Climatologia

Só quem fica o dia inteiro fora de casa consegue entender o quanto é ruim quando o clima está instável. Não tem jeito, ou você sente frio ou calor demais. Ou você sai de casa com três blusas, ou escolhe um vestido. Se você depende de ônibus o caso piora. Quando se está de carro você pelo menos pode deixar uma muda de roupa lá no porta-malas, para qualquer eventualidade. Esses dias de agosto estão assim. Uma hora tremo e dez minutos depois estou derretendo. Achei que essa era só mais uma das minhas implicâncias de filha-única-criada-por-vó-em-apartamento, mas hoje descobri que não.

No ponto, esperando o segundo ônibus para casa, chega uma Dona que olha pra mim e começa:

- O dia hoje não decide se está frio ou calor, não é? Odeio tempo assim. Eu sai de casa cedo sem o suéter, cheguei no trabalho e coloquei a blusa embaixo do colete. Agora estou aqui no ponto morrendo de frio, sendo que há dois minutos eu atravessava a praça derretendo de calor.
- É verdade. E ainda tem gente por aí que anda de regata.
- Não entendo como essas pessoas conseguem andar assim, se ainda levassem um casaco... Mas eu acho que carregar a blusa de frio às vezes é pior. Ou colocamos dentro da bolsa e ela fica estourando ou vamos carregando e aí quando entramos no ônibus a blusa cai, colocamos no colo, alguém esbarra e derruba de novo, no fim do dia o agasalho está todo pisado e sujo.
- Pois é, eu também sou desajeitada para carregar coisas e quando uso uma bolsa grande tenho que ficar me contorcendo para não esbarrar em todo mundo...

Levantei para dar sinal pro 9103 que se aproximava. A Dona também se levantou.

- Engraçado né. Comecei a conversar com você e nem sei seu nome, eu tenho essa mania. Adoro conversar no ônibus, vou tagarelando o trajeto inteiro. É bom porque no ônibus ninguém presta muita atenção no que a gente fala, né?!
- É mesmo...

Se é.

Socialização

Era dezembro de 2008. 5102 vazio ali no primeiro ponto da Catalão depois do Cemitério da Paz, um verdadeiro milagre. Tenho síndrome de baixinha, adoro os bancos mais altos do ônibus, sempre que entro e estão vazios sento-me neles. Nesse dia não foi diferente.

Gebrim trabalhava comigo na época e também é meu vizinho, ou seja, companhia de viagem. Estávamos num papo animado, falando desde cenouras até música clássica, e foi enquanto falávamos sobre música e trocávamos fones de ouvido que o rapazinho do banco ao nosso lado começou:

- Rapazinho: Pô cara, olha meu celular. É igual o seu né?
- Gebrim: Oh amigo, não é não, o seu é um modelo à frente.
- Rapazinho: O meu tem GPS, acesso a internet...
- Gebrim: O meu é mais simples.

Continuamos a conversar, Gebrim e eu, quando novamente:

- Rapazinho: Estão voltando de onde?
- Gebrim e eu: Do trabalho.
- Rapazinho: Eu tava na federal, estudo lá – disse isso tirando a carteirinha e apontando em nossa direção
- Gebrim e eu: Ah...
- Eu: Ele também – apontando pro Gebrim
- Rapazinho: Que curso?
- Gebrim: Engenharia – diz isso me lançando um olhar de “pára de render assunto”
- Rapazinho: Eu faço ciências da computação.

Nesse momento eu e Gebrim nos olhamos e dissemos mentalmente: “ta explicado!”. Voltamos ao nosso papo super interessante sobre música quando, de repente, ouvimos:

- Rapazinho: Ouve essa música aqui, muito boa!

Nessa hora eu já tentava, inutilmente, me concentrar na janela, na rua, no passeio, em qualquer coisa, pra não rir. A questão é: eu não sei rir baixo, se começasse seria um escândalo, uma vergonha pros três. O Gebrim é muito sociável, trata todo mundo bem, eu teria ignorado as mãos estendidas, mas ele jamais o faria. Pegou os fones, pôs no ouvido, esperou um minuto e devolveu, acenando com a cabeça:

- Gebrim: É, realmente boa!

Sabe aquela história de “o problema em ser sarcástico é que quando não entendem o idiota é você?”, então. Acontece que eu entendi e fui a idiota da história. Soltei a gargalhada engasgada, aquelas bem altas, de quem tava se segurando há muito tempo. Comecei a escorregar do banco de tanto rir, o Gebrim, coitado, me cutucava e falava “Teani, pelo amor de Deus, pára!”. Não adiantava. As pessoas me olhovam assustadas e eu já via a hora do Gebrim se levantar e fingir que não me conhecia. Fui assim desde o ponto do Minascentro até o último da Augusto de Lima. Eu nem acho que aquele era o lugar que o rapazinho deveria descer, mas foi um constrangimento tão grande que ele saltou sem ao menos se despedir.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Fundamentos de Economia

4106 no fim da manhã. Estava voltando da minha aula de economia e o papo da professora sobre dar valor às nossas moedinhas e que as de dez centavos são umas das mais caras do mundo, ainda estava fresco na minha cabeça.

Adoro quando aquele banco individual do ônibus está vazio. Meu senso coletivo é bem atrofiado pela manhã, como eu já disse. Sentei-me nele. Batia um sol leve e gostoso pra esquentar o ar gelado que entrava. Encostei na janela, coloquei meus fones, fechei os olhos e já estava quase cochilando quando ouço:

- Oi, você me deu o troco errado.
- Como assim, meu caro? Está certo.
- Não rapaz, eu te dei R$10,30, ou seja, você tem que me voltar 8.
- Sim. Mas eu não queria os seus trinta centavos. Por isso te devolvi 7,70 e aqui estão seus trintas centavos.
- Eu fiz isso pra facilitar o troco, porque eu odeio moedas.
- Eu também odeio moedas, fique com essas e mais as suas.
- Cara, mas você é trocador!
- E só por isso eu tenho que gostar de moedas?

Sempre comento algo do tipo “assaltei o trocador” quando estou com os bolsos lotados de moedas. Na minha cabeça eles gostavam delas, mas não! Isso me lembra uma vez que sentei naquele banco que fica de frente para o trocador e estava atenda à conversa dele com a moça ao meu lado. Ele dizia:

- Olha, tem gente que entra aqui e nem cumprimenta. Giram essa catraca como se não estivéssemos aqui e só nos dirigem o olhar quando tentam passar o cartão 5 vezes seguidas e ele não funciona. Me olham como se tivesse culpa dos créditos terem acabado. È muita falta de educação. Agora o pior mesmo é quando aqueles folgados entregam pra gente uma nota toda amassada e com dez moedas dentro. Aí dá vontade de xingar. Não sei por que pensam que trocador gosta de dinheiro todo amassado, e quanto mais moedinha melhor. Confundem a gente com dono de padaria!

Desse dia em diante eu nunca mais fiquei brincando de enrolar as notas ou catando as menores moedinhas até inteirar 1 real. Entrego o dinheiro bem esticado e, quando possível, entrego uma moeda de 0,25 e a outra de 0,05. Aprendi que dinheiro amassado e moedinhas de cinco centavos só vão pra padaria e ponto.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Leitura em Dupla

Eu não funciono muito bem até as 9h30 da manhã. Na minha opinião, a vida deveria começar depois dessa hora. Como voltei a estudar de manhã isso é um pouco impossível, por isso uso todo tempo que tenho antes de chegar à faculdade para cochilar. Procuro sentar sempre no banco da janela do ônibus, pra encostar e dar aquela dormidinha básica, afinal de contas, de manhã as pessoas são menos sociáveis e não tenho tantos assuntos para observar em meu trajeto.

Hoje o 8101 estava um pouco cheio. Na saída da Prudente de Moraes, só tinha sobrado um lugar vago e era bem ao meu lado. Entrou um homem, na casa dos 35 anos, imagino. Ele estava com jornais embaixo do braço e logo que se sentou foi abrindo:
Jornal Aqui e Super Notícias.

Como estudante de jornalismo, me interesso muito pelo jeito como as pessoas costumam ler as notícias. O homem pegou as duas capas, cada uma em uma mão, e começou a compará-las, como quem diz “qual eu leio primeiro?”. O
Super trazia as manchetes: “BH tem um carro roubado a cada 1,5 hora” e “Confirmadas 3 mortes por Gripe Suína em MG”. Já o Aqui destacava: “Gripe mata em Minas”. No primeiro estava a Tânia Khalill de biquíni, no outro a Paola Oliveira, vestida, com cara de “tô querosa”. Sem deixar de lado minha opinião editorial sobre ambos os jornais, fiquei curiosa para saber qual seria mais atrativa. Não a moça da capa, mas a manchete, claro.

O homem abriu primeiro o
Super. Sequer leu a página dois (que fica atrás da capa), e já foi dobrando na 3. Os títulos das editorias já me pareceram bem sugestivos: Assédio Sexual, Apreensão, Drogas. Tinha uma notícia em destaque falando sobre a mulher que foi ao ginecologista e o médico fez comentários que estavam fora da conduta ética, outra sobre a maconha que foi encontrada no interior e uma última falava da prisão de um foragido. Nas páginas seguintes notícias sobre morte, violência, roubos e esportes.

Quem sou eu para criticar, tem gente que gosta de sangue assim, no café da manhã. Eu já penso que ele me desce melhor com a janta, aí o dia já esta no fim e o pensamento de “o mundo não tem mais jeito”, dura só até a hora de dormir, quando assuntos mais banais, que correspondem ao meu próprio umbigo, começam a rondar minha cabeça. Não sei se o homem percebeu minha cara de aterrorizada, ou meu olho
bicando a leitura dele incomodou, mas assim que alguém saiu ele pulou pro banco da frente e acabou-se minha distração.

domingo, 9 de agosto de 2009

Paqueras

Não sei se só eu penso assim, mas existem lugares e lugares para paquerar. Quero dizer, quando você está num barzinho, balada, night e derivados, tudo bem. Mas não consigo entender como existem pessoas capazes de fazer tal coisa em um shopping, supermercado, ou o pior, no ônibus.


5102 vazio, um milagre concedido pelas férias. Na altura da Rua da Bahia com Fernandes Tourinho entra a menina. Uniforme de vôlei, cabelo preso, mochila nas costas. Dirige o olhar para o rapaz sentado:


- Oi, José, tudo bom?

- E aí joia?


Tudo bem, a menina educada conhecia o rapaz e o cumprimentou normalmente. Sentou-se no banco à frente dele e já preparava para colocar os fones.


- Virou loira agora? – Disse ele uma vez. – Hein? – Continuou.

- Oi? – ela vira fazendo cara de “é comigo?”

- Está loira agora?

- Não. Na verdade é ruivo e já faz tempo que tá assim.

- Ah...


Ela virou novamente para frente e ajeitava os fones quando o tal José recomeçou:


- Mudou para esses lados agora?

- Já tem uns 10 anos que moro aqui. – respondeu, sem se virar.


Devemos compreender que realmente existe gente que não se toca:


- Trabalhando?

- Treinando.

- Minas?

- Uhum. – Vamos lembrar que ela trajava o uniforme do clube.

- E faculdade?

- Ed. Física.

- UFMG?

- Não. UNI-BH.

- To fazendo direito.... Na FUMEC... Tava numa entrevista de estágio agora

- Ah.. – ela vira e olha pra ele de cima a baixo, analisando a roupa – Conseguiu?

- Não. Recusei... sou difícil.


Ela se virou de frente e eu não pude ver a cara que fez. Deixo aqui espaço pra imaginação.


- Moro aqui. Ali onde aquelas tem aquelas luzes acesas.

- Hum. Moro mais pra frente.

- Bom te ver! Não some não! Vamos encontrar mais!

- É... tchau.


A menina da um sorriso amarelo, permanece sentada, acena um tchauzinho com a mão e espera o rapaz descer. Coloca enfim os fones soltando um suspiro que, penso, dizia: “é tenso aguentar isso no fim do dia”.


Como eu disse, existem lugares e lugares.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

She had a bad day

Desde que os Ipods, MP3, 4, 5 e derivados se disseminaram, minha distração nos ônibus diminuiu bastante. É um individualismo que impressiona. Moro no ponto final de dois ônibus, por isso costumo embarcar neles vazios. Um dia desses estava reparando nas pessoas que entravam (só pra variar) e notei que dos quinze passageiros, contando comigo, quatorze estavam com fones de ouvido, a exceção era uma senhora, com mais de 65, na parte da frente. O trocador também portava seu radinho.

Por um tempo não tive conversas ou comportamentos para observar nos meus trajetos. Foi então que em uma dessas “viagens” entrei no 8101, ali na São Paulo com Álvares Cabral, mais ou menos. Eis que minutos depois entra mais uma pessoa: uma jovem com 3 cadernos nas mãos, uma mochila gigante à tira colo e, é claro, os famosos fones de ouvido. Ela se sentou naqueles bancos laterais que ficam no espaço para cadeirantes e ficou bem na minha frente.

Sou muito
reparadeira das coisas, mas raramente presto atenção em um rosto. Notei o dela. Seu olho estava borrado de lápis e rímel, aparência de quem chorou por horas. Tinha um olhar vago. De repente ela começou a chorar de novo. Primeiro umas, duas lágrimas secas, depois um rio. Aí vieram os soluços e mais pessoas no ônibus começaram a reparar. Daí os comentários: - “Ih, Brigou com o namorado”; “Alguém da família morreu”; “Deve ter ido mal na prova”... Cochichos e mais cochichos.

Dessa vez eu mudei de foco. Não me interessava o motivo do choro, como provavelmente não iria descobrir, ficaria frustrada. Comecei a observar o
Ipod. O que importava agora era a trilha que embalava o chororó. Quase me debruçava na tentativa de ler a telinha do aparelho, fazia isso à toa já que estava apagada. Comecei a fazer barulho, na minha cabeça se ela tivesse que aumentar o volume eu conseguiria ouvir, então peguei o celular e falava aos berros com a suposta pessoa do outro lado. Não adiantou. O ônibus freou e esbarrei nela pra ver se fazia algum movimento. Não adiantou. Tentei fazer o máximo de silêncio e chegar o ouvido o mais perto possível do fone dela, mas o volume estava bem baixo. Não adiantou. Foram várias manobras na tentativa de acender a tela, mas nenhuma funcionava...

O meu ponto já estava chegando. O ônibus tinha saído da Curitiba e entrado no Viaduto da Lagoinha. Não sei se vocês são assim, mas minha curiosidade é tanta que quando não consigo descobrir algo que quero, tenho insônia, perco a fome, fico de mau humor... Já estava quase cutucando a
fulana e perguntando o nome da música. Não precisou. Ela ia descer no mesmo ponto que eu e apertou o stop, a telinha acendeu. Eu, fazendo contorcionismo e apertando bem os olhos, consegui enfim ler: Bad Day - Daniel Powter. Sugestivo, não?

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Nascendo

Ouvir conversas alheias no ônibus é uma arte. Comecei a praticar essa atividade há cerca de cinco anos. Como sempre estudei de manhã e trabalhei durante a tarde, a hora do rush no transito é minha especialidade. Já tentei de tudo para passar as longas horas dentro do transporte público. Ler, ouvir música, pensar na vida, nos problemas, nas contas pra pagar... Tudo isso não era satisfatório. Ler em movimento me dá enjôo e eu igualmente enjôo das músicas que coloco no MP4 (ou antigo diskman). Pensar em problemas, nem se fala, haja dor de cabeça.

Quando comecei a prestar atenção nas pessoas que andavam nos ônibus tive muita dificuldade, afinal, você não pode deixar que o outro perceba e tem que se acostumar a não ouvir o fim das histórias. Odeio quando a pessoa desce no meio daquele babado forte, ou chega o meu ponto e eu tenho que saltar. Uma vez duas amigas conversavam sobre o caso amoroso da vizinha de uma delas e a história era tão interessante que eu continuei no ônibus, desci no mesmo ponto que elas e só parei de segui-las quando entraram em um prédio. Foi uma grande frustração, nunca saberei se o homem era ou não pai do filho da tal mulher.

Depois de anos de prática eu arranjei um truque: coloco fones no ouvido, como se estivesse ouvindo música. É difícil, já que algumas pessoas falam realmente baixo e eu tenho que fazer praticamente uma leitura labial. Outras são muito lentas e nem sempre a distância abrange o tamanho do caso. O bom é quando acompanhamos uma pessoa sempre. Aquela que, como você,
sempre pega a lotação no mesmo horário, desce no mesmo lugar... Aí sim!

Agora resolvi que está na hora de registrar as peripécias que ouço. Assim surge o: “essa eu ouvi no ônibus”, meu primeiro (espero que único) blog.